Justino Mártir escreve sua Apologia (C. 150)
O jovem filósofo caminhava junto à costa, sua mente estava agitada, sempre ativa, buscando novas verdades.
Ele estudara os ensinamentos dos estoicos, de Aristóteles e de Pitágoras; e, naquele momento, era adepto do platonismo, que prometera uma visão de Deus aos que sondassem a verdade com profundidade suficiente.
Era isso que o filósofo Justino queria.
Enquanto caminhava, encontrou-se com um cristão, já idoso.
Justino ficou perplexo diante de sua dignidade e humildade.
O homem citou várias profecias judaicas, mostrando que o caminho cristão era realmente verdadeiro.
Jesus era a verdadeira expressão de Deus.
Esse encontro ocasionou grande mudança na vida de Justino.
Debruçado sobre aqueles escritos proféticos, lendo os evangelhos e as cartas de Paulo, ele se tornou um cristão dedicado.
Assim, nos últimos trinta anos de sua vida, viajou, evangelizou e escreveu.
Desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento da teologia da igreja, assim como da compreensão que a igreja tinha de si mesma e da imagem que apresentava ao mundo.
Praticamente desde o início, a igreja funcionou em dois mundos: o judeu e o gentío.
O livro de Atos dos Apóstolos registra o lento e, às vezes, doloroso desabrochar do cristianismo no mundo gentío.
Pedro e Estêvão pregaram aos ouvintes judeus, e Paulo falou aos filósofos atenienses e aos governadores romanos.
A vida de Justino apresenta muitos paralelos com a vida de Paulo.
O apóstolo era um judeu nascido em área gentia (Tarso); Justino era um gentio nascido em área judaica (a antiga Siquém).
Eles tinham boa formação e usavam o dom da argumentação para convencer judeus e gentíos da verdade de Cristo.
Os dois foram martirizados em Roma em razão de sua fé.
Durante os reinados dos imperadores do século I, por exemplo, Nero e Domiciano, a igreja se esforçava sobreviver, para continuar sua tradição e para mostrar ao mundo o amor de Jesus Cristo.
Os não-cristãos viam o cristianismo como uma seita primitiva, uma ramificação do judaismo caracterizada por ensinamentos e práticas estranhas.
Em meados do século II, sob o comando de imperadores mais razoáveis como Trajano, Antonino Pio e Marco Aurélio, a igreja teve uma nova preocupação: explicar o motivo de sua existência para o mundo de maneira convincente.
Justino se tornou um dos primeiros apologistas cristãos, ou seja, um dos que explicavam a fé como sistema racional.
Com escritores que surgiriam mais tarde — como Orígenes e Tertuliano —, ele interpretou o cristianismo em termos que seriam familiares aos gregos e aos romanos instruídos de seus dias.
A maior obra de Justino, a Apologia, foi endereçada ao imperador Antonino Pio (a palavra grega apologia refere-se à lógica na qual as crenças de uma pessoa são baseadas).
Enquanto Justino explicava e defendia sua fé, ele discutia com as autoridades romanas por que considerava errado perseguir os cristãos.
De acordo com seu pensamento, as autoridades deveriam unir forças com os cristãos na exposição da falsidade dos sistemas pagãos.
Para Justino, toda verdade era verdade de Deus.
Os grandes filósofos gregos haviam sido inspirados por Deus até certo ponto, mas permaneciam cegos com relação à plenitude da verdade de Cristo.
Desse modo, Justino trabalhou livremente com o pensamento grego, explicando Cristo como seu cumprimento.
Ele se aproveitou do princípio apresentado pelo apóstolo João, no qual Cristo é o Logos, a Palavra.
Deus Pai era santo e separado da humanidade maligna, e Justino concordava com Platão nesse aspecto.
Porém, por intermédio de Cristo, seu Logos, Deus pôde alcançar os seres humanos.
Como o Logos de Deus, Cristo era parte da essência de Deus, embora separado, do mesmo modo que uma chama se acende a partir de outra (é por isso que o pensamento de Justino foi fundamental no desenvolvimento da consciência da igreja com relação à Trindade e à encarnação).
Contudo, Justino tinha uma linha de pensamento judia que caminhava com suas inclinações gregas.
Era fascinado pelas profecias já cumpridas.
Ε possível que isso tenha nascido no encontro com o idoso à beira-mar. Porém, ele percebeu que a profecia hebraica confirmou a identidade singular de Jesus Cristo.
Como Paulo, Justino não abandonou os judeus à medida que se aproximava dos gregos.
Em Diálogo com Trifão, outra grande obra, ele escreve a um judeu, um conhecido dele, apresentando Cristo como cumprimento da tradição hebraica.
Além de escrever, Justino viajou bastante, sempre argumentando a favor da fé.
Ele se encontrou com Trifão em Êfeso.
Em Roma, encontrou-se com Marcião, o líder gnóstico.
Em outra ocasião, durante uma viagem a Roma, Justino se indispôs com um homem chamado Crescendo, o Cínico.
Quando Justino retornou a Roma, por volta do ano 165, Crescendo o denunciou às autoridades.
Justino foi preso, torturado e decapitado, com outros seis crentes.
Justino escreveu certa vez: “Vocês podem nos matar, mas não podem nos causar dano verdadeiro”.
O apologista apegou-se a essa convicção até a morte.
Ao fazer isso, recebeu o nome que passaria a usar por toda a história: Justino Mártir.