segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo.

C.156 O martírio de Policarpo


O dia estava quente. As autoridades de Esmirna procuravam Policarpo, o respeitado bispo da cidade. 

Elas já haviam levado outros cristãos à morte na arena. Agora, uma multidão exigia a morte do líder.

Policarpo saíra da cidade e se escondera na propriedade de alguns amigos, no interior. 

Quando os soldados entraram, ele fugiu para outra propriedade. 

Embora o idoso bispo não tivesse medo da morte e quisesse permanecer na cidade, seus amigos insistiram em que se escondesse, talvez com temor de que sua morte pudesse desmoralizar a igreja. 

Se esse era o caso, estavam completamente equivocados.

Quando os soldados alcançaram a primeira fazenda, torturaram um menino escravo para que revelasse o paradeiro de Policarpo. 

Assim, apressaram-se, bem armados, para prender o bispo. Embora tivesse tempo para escapar, Policarpo se recusou a agir assim. 

“Que a vontade de Deus seja feita”, decidiu. 

Em vez de fugir, deu as boas-vindas aos seus captores, ofereceu-lhes comida e pediu permissão para passar um momento sozinho em oração. 

Policarpo orou durante duas horas.

Alguns dos que ali estavam com a finalidade de prendê-lo pareciam arrependidos por prender um homem tão simpático. 

No caminho de volta a Esmirna, o chefe da guarda tentou argumentar com Policarpo: “Que problema há em dizer ‘César é senhor’ e acender incenso?”.

Policarpo calmamente disse que não faria isso.

As autoridades romanas desenvolveram a idéia de que o espírito (ou o “gênio”) do imperador (César) era divino. 

A maioria dos romanos, por causa de seu panteão, não tinha problema em prestar culto ao imperador, pois entendia a situação como questão de lealdade nacional. 

Porém, os cristãos sabiam que isso era idolatria.

Pelo fato de os cristãos se recusarem a adorar o imperador ou os outros deuses de Roma e adorar Cristo de maneira silenciosa e secreta em seus lares, a maioria das pessoas achava que eles não tinham fé. 

“Fora com os ateus!”, gritavam os habitantes de Esmirna, enquanto buscavam os cristãos para prendê-los. 

Como sabiam apenas que os cristãos não participavam dos muitos festivais pagãos e não ofereciam os sacrifícios comuns, a multidão atacava o grupo considerado ímpio e sem pátria.

Então, Policarpo entrou em uma arena cheia de pessoas enfurecidas. 

O pro cônsul romano parecia respeitar a idade do bispo. 

Como Pilatos, queria evitar uma cena horrível, se fosse possível. 

Se Policarpo apenas oferecesse um sacrifício, todos poderiam ir para casa.

-Respeito sua idade, velho homem — implorou o pro cônsul.

— Jure pela felicidade de César. Mude de idéia. Diga “Fora com os ateus!”.

O pro cônsul obviamente queria que Policarpo salvasse a vida ao separar-se daqueles “ateus”, os cristãos. 

Ele, porém, simplesmente olhou para a multidão zombadora, levantou a mão na direção deles e disse:

— Fora com os ateus!

O pro cônsul tentou outra vez:

— Faça o juramento e eu o libertarei. Amaldiçoe Cristo!

O bispo se manteve firme.

— Por 86 anos servi a Cristo, e ele nunca me fez qualquer mal. Como poderia blasfemar contra meu Rei, que me salvou?

A tradição diz que Policarpo estudou com o apóstolo João. 

Se isso foi realmente verdade, ele era, provavelmente, o último elo vivo com a igreja apostólica. 

Cerca de quarenta anos antes, quando Policarpo começou seu ministério como bispo, Inácio, um dos pais da igreja, escreveu a ele uma carta especial. 

Policarpo escreveu, de próprio punho, uma carta aos filipenses. 

Embora não seja especialmente brilhante e original, essa carta fala sobre as verdades que ele aprendeu com seus mestres. 

Policarpo não fazia exegese de textos do Antigo Testamento, como os estudiosos cristãos posteriores, mas citava os apóstolos e os outros líderes da igreja para exortar os filipenses.

Cerca de um ano antes do martírio, Policarpo foi a Roma para acertar algumas diferenças quanto à data da Páscoa com o bispo daquela cidade. 

Uma história diz que, nessa cidade, ele debateu com o herege Marcão, a quem chamava “o primogênito de Satanás”. 

Diz-se que diversos seguidores de Marcio se converteram com sua exposição dos ensinamentos apostólicos.

Este era o papel de Policarpo: ser uma testemunha fiel. 

Líderes posteriores apresentariam saídas criativas diante de situações em constante mutação, mas a era de Policarpo requeria apenas fidelidade. 

Ε ele foi fiel até a morte.

Na arena, a argumentação continuava entre o bispo e o pro cônsul. 

Em certo momento, Policarpo admoestou seu inquisidor: “Se você […] finge que não sabe quem sou, ouça bem: sou um cristão. 

Se você quer aprender sobre o cristianismo, separe um dia e me conceda uma audiência”. 

O pro cônsul ameaçou jogá-lo às feras.

Policarpo disse: “Pois chame-as. 

Se isto fosse uma mudança do mal para o bem, eu a consideraria, mas não posso admitir uma mudança do melhor para o pior”.

Ameaçado pelo fogo, Policarpo reagiu: “Seu fogo poderá queimar por uma hora, mas depois se extinguirá; mas o fogo do julgamento por vir é eterno”.

Por fim, anunciou-se que Policarpo não se retrataria. 

O povo de Esmirna gritou: “Este é o mestre da Ásia, o pai dos cristãos, o destruidor de nossos deuses, que ensina o povo a não sacrificar e a não adorar!”.

O pro cônsul ordenou que o bispo fosse queimado.

Policarpo foi amarrado a uma estaca, e o fogo foi ateado. 

Contudo, de acordo com testemunhas oculares, seu corpo não se consumia. 

Conforme o relato dessas testemunhas, ele “estava lá no meio, não como carne em chamas, mas como um pão sendo assado ou como o ouro e a prata sendo refinados em uma fornalha. 

Sentimos o suave aroma, semelhante ao de incenso, ou ao de outra especiaria preciosa”.

Quando um dos executores o perfurou com uma lança, o sangue que jorrou apagou o fogo.

Este relato foi repassado às congregações por todo o império. 

A igreja valorizou esses relatos e começou a celebrar a vida e a morte de seus mártires, chegando a coletar seus ossos e outras relíquias. 

Em 23 de fevereiro, todos os anos, comemoravam o “dia do nascimento” de Policarpo no Reino celestial.

Nos 150 anos seguintes, à medida que centenas de outros mártires caminharam fielmente para a morte, muitos foram fortalecidos pelos relatos do testemunho fiel do bispo de Esmirna.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo.

205 Orígenes começa a escrever 

Em seus primeiros dias, o cristianismo foi criticado como uma religião de pobres e iletrados, pois, na verdade, muitos dos fiéis vinham das classes mais humildes. 

Como Paulo escreveu, na igreja “poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento” (I Co 1.26).

No século ni, porém, o maior intelectual da época era cristão. Pagãos, hereges e cristãos admiravam Orígenes. 

Sua instrução e conhecimento vastos contribuíram muito para o futuro da cultura cristã.

Orígenes nasceu em Alexandria, por volta do ano 185, filho de pais cristãos devotos. 

Por volta do ano 201, seu pai, Leónidas, foi preso durante a perseguição de Septénio Severo. 

Orígenes escreveu ao pai, que estava na prisão, e o encorajou a não negar a Cristo por amor à família. 

Embora Orígenes quisesse se entregar às autoridades e sofrer o martírio com pai, sua mãe escondeu suas roupas e impediu esse ato zeloso, mas tolo.

Depois do martírio de Leónidas, sua propriedade foi confiscada e sua viúva foi deixada com sete filhos. 

Orígenes tomou as providências para sustentá-los, ensinando literatura grega e copiando manuscritos. 

Uma vez que muitos dos estudiosos mais idosos fugiram para Alexandria na época da perseguição, a escola catequética cristã tinha grande necessidade de professores. 

Aos dezoito anos, Orígenes tornou-se presidente da escola

e deu início à sua longa carreira de professor, estudioso e escritor.

Praticava a ascese, passava grande parte das noites em estudo e em oração, dormia no chão duro, nos poucos momentos em que realmente conciliava o sono. 

Seguia o mandamento de Jesus, pois tinha apenas uma capa e não possuía sapatos. 

Chegou até mesmo a seguir literalmente Mateus 19.12: ele se castrou como defesa contra as tentações carnais. 

O maior desejo de Orígenes era ser fiel à igreja e honrar o nome de Cristo.

Como escritor extremamente prolífico, Orígenes foi capaz de manter sete secretários ocupados com seus ditados. 

Ele produziu cerca de duas mil obras, incluindo comentários sobre quase todos os livros da Bíblia, além de centenas de homílias. 

A obra Héxapla foi uma façanha da crítica textual, pois tentou encontrar a melhor versão grega do Antigo Testamento. 

Em seis colunas paralelas, era possível observar o A.T. em hebraico, uma transliteração para o grego, três traduções em grego e a Septuaginta. 

A obra Contra Celso foi um dos mais importantes trabalhos apologéticos do cristianismo, pois o defendeu dos ataques pagãos. 

A obra De principiis [Sobre os princípios] foi a primeira tentativa de criar uma teologia sistemática. 

Nela, Orígenes examina cuidadosamente as crenças cristãs referentes a Deus, a Cristo e ao Espírito Santo, bem como assuntos referentes à Criação, à alma, ao livre-arbítrio, à salvação e às Escrituras.

Orígenes foi, em grande parte, responsável pelo estabelecimento da interpretação alegórica das Escrituras, que dominaria a Idade Média. 

Acreditava que em todo o texto existiam três níveis de significado: o literal, o moral (que servia para edificar a alma) e o alegórico ou espiritual, considerado oculto é o mais importante para a fé cristã. 

O próprio Orígenes desprezou o significado literal e o histórico-gramatical do texto, enfatizando o significado alegórico mais profundo.

Orígenes tentou relacionar o cristianismo à ciência e à filosofia de seus dias. 

Acreditava que a filosofia grega era a preparação para a compreensão das Escrituras e usava a analogia, mais tarde adotada por Agostinho, de que os cristãos “despojaram os egípcios”, quando usaram a riqueza do conhecimento pagão na causa cristã (Êx 12. 35,36).

Ao aceitar os ensinamentos da filosofia grega, Orígenes adotou muitas ideias platônicas, estranhas ao cristianismo ortodoxo. 

A maioria de seus erros era causada pela pressuposição grega de que a matéria e o mundo material são intrinsecamente maus. 

Acreditava na existência da alma antes do nascimento e ensinava que a posição de alguém no mundo era consequência de sua conduta em um estado preexistente. 

Negava a ressurreição física e advogava que, no final de tudo, Deus salvaria todos os homens e todos os anjos. 

Uma vez que Deus não podia criar o mundo material sem entrar em contato com a matéria básica, o Filho foi eternamente gerado pelo Pai que, por sua vez, criou o mundo eterno. 

Segundo ele, foi somente a humanidade de Jesus que morreu na cruz, como pagamento feito ao Diabo em resgate pelo mundo.

Devido a equívocos como esses, o bispo Demétrio de Alexandria convocou o concilio que excomungou Orígenes. 

Embora Roma e a igreja ocidental tivessem aceitado a excomunhão, a igreja da Palestina e a maior parte do Oriente não a aceitaram. 

Eles continuaram consultando Orígenes devido à sabedoria, à erudição e ao conhecimento que ele possuía.

Durante a perseguição promovida por Décio, Orígenes foi preso, torturado e condenado a morrer em uma estaca. 

Somente a morte do imperador impediu que a sentença fosse executada. 

Com a saúde debilitada devido à provação, Orígenes morreu por volta do ano 251. 

Ele fez mais do que qualquer outra pessoa para promover a causa da erudição cristã e para fazer com que a igreja fosse respeitada aos olhos do mundo. 

Os pais da igreja posteriores a ele, tanto do Oriente quanto do Ocidente, sentiram sua influência. 

A diversidade de seu pensamento e de seus escritos lhe rendeu a reputação de ser o pai da ortodoxia, bem como das heresias.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo!.

Irineu se torna bispo de Lião (177)

Até mesmo quanto às heresias, “não há nada novo debaixo do sol” (Ec 1.9). 

Os falsos ensinamentos que surgiram dentro e em torno da igreja permanecem basicamente os mesmos.

Em vez de se voltar para a obra expiatória de Cristo, muitos buscam salvar a si mesmos pela descoberta de algum conhecimento secreto. 

Isso surgiu na igreja primitiva por meio de um conjunto de heresias chamado de gnosticismo (gnosis é uma palavra grega que significa “conhecimento”). 

Aparentemente, já existia uma forma de gnosticismo antes da fundação da igreja. 

João desfechou um golpe contra esse falso ensinamento, quando escreveu sua primeira carta. 
Contudo, essa doutrina ainda continuou a exercer influência no século o.

Sabemos pouco sobre Irineu, o homem que se opôs ao gnosticismo na segunda metade do século n. Nasceu, provavelmente, na Asia Menor, por volta do ano 125. 

Em virtude do intenso comércio entre a Ásia Menor e a Gália, os cristãos puderam levar a fé àquela região, onde foi estabelecida uma igreja vigorosa em sua cidade principal, Lião.

Enquanto serviu como presbítero em Lião, Irineu viveu de acordo com seu nome, que significa “pacífico”, viajando até Roma para pedir indulgência aos montanhistas da Ásia Menor. 

Durante essa missão, a perseguição cresceu em Lião, e o bispo daquela cidade foi martirizado.

Irineu o sucedeu como bispo em seu lugar e descobriu que o gnosticismo conseguira algumas conversões na Gália. 

Essa doutrina se espalhou facilmente, porque os gnósticos usavam termos cristãos, embora tivessem interpretações radicalmente diferentes dessas expressões. 

A fusão dos termos cristãos com os conceitos da filosofia grega e das religiões asiáticas era atraente aos que queriam acreditar que poderiam salvar a si mesmos, sem depender da graça do Pai todo-poderoso.

Irineu estudou as várias formas de gnosticismo. Embora variassem grandemente, os ensinamentos mais comuns eram os seguintes: o mundo físico é mau; o mundo foi criado e é governado por poderes angelicais, e não por Deus; Deus está distante e não está realmente ligado a este mundo; a salvação pode ser alcançada pelo aprendizado de alguns ensinamentos secretos especiais. 

As pessoas espirituais — ou seja, os próprios seguidores do gnosticismo — são superiores aos cristãos comuns. 

Os mestres do gnosticismo sustentavam essas idéias valendo-se dos evangelhos gnósticos volumes que normalmente tomavam emprestado o nome de um apóstolo e retratavam Jesus Cristo ensinando doutrinas gnósticas.

Quando o bispo de Lião finalmente tomou conhecimento dessa heresia, escreveu a obra denominada Contra as heresias, um enorme trabalho no qual buscava revelar a tolice do “falso conhecimento”. 

Valendo-se tanto do Antigo Testamento quanto do Novo, Irineu mostrou que o Deus amoroso criou o mundo, que se corrompeu por causa do do pecado humano. 

Adão, o primeiro homem inocente, tornou-se pecador ao ceder à tentação. 

Porém, sua queda foi desfeita — rematada — pela obra do segundo homem inocente, Cristo, o novo Adão. 

O corpo não é mau, e, no último dia, o corpo e a alma dos crentes ressuscitarão; viverão para sempre com Deus.

Irineu compreendia que o gnosticismo se valia do desejo humano de conhecer algo que os outros não conheciam. 

Com relação aos gnósticos, escreveu:
 
“Tão logo um homem é convencido a aceitar a forma da salvação deles [dos gnósticos], se torna tão orgulhoso com o conceito e a importância de si mesmo, que passa a andar como se fosse um pavão”. 

Porém, os cristãos deveriam humildemente aceitar a graça de Deus, e não se envolver em exercícios intelectuais que levavam à vaidade.

Durante toda a sua vida, Irineu recordou com alegria o fato de ter sido próximo de Policarpo, que conhecera pessoalmente o apóstolo João. 

Desse modo, talvez não seja surpreendente o fato de Irineu apelar para a autoridade dos apóstolos, quando desaprovou as afirmações do gnosticismo. 

O bispo destacou que os apóstolos ensinaram em público, e não guardaram segredo sobre nenhum dos ensinamentos que receberam do Mestre. 

Por todo o império, as igrejas concordavam sobre certos ensinamentos que vieram dos apóstolos de Cristo e que apenas esses ensinamentos formavam os fundamentos de sua crença. 

Ao declarar que os bispos, os sucessores dos apóstolos, eram os guardiães da fé, Irineu aumentou o respeito dispensado aos bispos.

Na obra Contra as heresias, Irineu apresentou o padrão para a teologia da igreja: toda a verdade que precisamos está na Bíblia. 

Ele também provou ser o maior teólogo desde o apóstolo Paulo. 

Suas discussões amplamente divulgadas foram um golpe mortal para o gnosticismo em sua época.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo!


C.196 Tertuliano começa a escrever livros cristãos!


Tertuliano começa a escrever livros cristãos

“O sangue dos mártires é a semente da igreja.”

“É certo por ser impossível.” “O que Atenas e Jerusalém têm em comum?”

Frases mordazes como essas eram típicas das obras de Quinto Septénio Florente Tertuliano — ou simplesmente Tertuliano. 

Nativo de Cartago, foi criado em um lar de cultura paga e educado nos clássicos da literatura, na arte de discursar e em Direito. 

Por volta do ano 196, quando voltou seu poderoso intelecto para os tópicos cristãos, Tertuliano mudou o caráter do pensamento e da literatura da igreja ocidental.

Até esse ponto, a maioria dos escritores cristãos usava o grego — uma língua flexível e sutil, perfeita para filosofar e para discutir ninharias. 

Os cristãos de fala grega geralmente aplicavam a propensão filosófica à sua fé.

Embora Tertuliano, um africano, soubesse grego, preferia escrever em latim. Suas obras refletem a inclinação romana para a praticidade e para enfatizar a moral. 

Esse influente advogado atraiu muitos outros escritores para sua língua favorita.

Enquanto os cristãos gregos discutiam a divindade de Cristo e sua relação com o Pai, Tertuliano buscava unificar a fé e esclarecer a posição ortodoxa. 

Em função disso, criou uma fórmula bastante útil que é usada ainda hoje: Deus é uma única substância, consistindo em três pessoas.

Ao introduzir a fórmula o que se tornou a doutrina da Trindade, Tertuliano extraiu sua terminologia não dos filósofos, mas dos tribunais romanos. 

A palavra latina substantiva não significava “material”, mas carregava a idéia de “direito à propriedade”. 

A substantiva de Deus era o seu “torrão”, por assim dizer. 

A palavra persona não significava “pessoa”, do modo como usamos a palavra. 

Ela se referia a uma das partes na ação legal. 

Conforme esse uso, o termo permite que seja concebível que três personae pudessem compartilhar a mesma substantiva. 

Três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) compartilham uma substância (a soberania divina).

Embora Tertuliano tivesse perguntado “o que Atenas [a filosofia] e Jerusalém [a igreja] têm em comum?”, a filosofia estoica, bastante popular em sua época, causou grande influência na vida de Tertuliano. 

Alguns dizem que a idéia do pecado original passou do estoicismo para Tertuliano e depois para a igreja ocidental. 

Tertuliano parece ter pensado que, de alguma maneira, a alma era material: assim como o corpo é formado pela concepção, o mesmo acontece com a alma. 

O pecado de Adão é passado adiante como um traço genético.

A igreja ocidental passou a defender essa idéia, mas isso não aconteceu com a igreja do oriental (que assumiu visão mais otimista da natureza humana).

Por volta do ano 206, Tertuliano deixou a igreja para se juntar aos montanistas, grupo de “puristas” que reagiu contra o que consideravam uma frouxidão moral entre os cristãos. 

Eles esperavam que a Segunda Vinda acontecesse logo e passaram a ressaltar a liderança imediata do Espírito Santo, e não a do clero ordenado.

Embora Tertuliano tivesse começado a enfatizar a idéia da sucessão apostólica — a passagem do poder e da autoridade apostólica aos bispos —, ficou perturbado pela afirmação dos bispos de que tinham poder para perdoar pecados. 

Ele acreditava que isso levaria à frouxidão moral, assim como afirmou que isso se tratava de grande presunção por parte dos bispos. 

Além do mais, pensava, não seriam todos os crentes sacerdotes? 

Seria a igreja formada por santos que dirigiam a si mesmos ou uma turba de santos e pecadores administrados por uma “classe” profissional, o clero?

Tertuliano lutava contra forças poderosas. 

Por mais de 1 200 anos, o clero teria um lugar especial. 

Somente depois de Martinho Lutero ter desafiado a igreja é que “o sacerdócio de todos os crentes” foi defendido outra vez.