C.156 O martírio de Policarpo
O dia estava quente. As autoridades de Esmirna procuravam Policarpo, o respeitado bispo da cidade.
Elas já haviam levado outros cristãos à morte na arena. Agora, uma multidão exigia a morte do líder.
Policarpo saíra da cidade e se escondera na propriedade de alguns amigos, no interior.
Quando os soldados entraram, ele fugiu para outra propriedade.
Embora o idoso bispo não tivesse medo da morte e quisesse permanecer na cidade, seus amigos insistiram em que se escondesse, talvez com temor de que sua morte pudesse desmoralizar a igreja.
Se esse era o caso, estavam completamente equivocados.
Quando os soldados alcançaram a primeira fazenda, torturaram um menino escravo para que revelasse o paradeiro de Policarpo.
Assim, apressaram-se, bem armados, para prender o bispo. Embora tivesse tempo para escapar, Policarpo se recusou a agir assim.
“Que a vontade de Deus seja feita”, decidiu.
Em vez de fugir, deu as boas-vindas aos seus captores, ofereceu-lhes comida e pediu permissão para passar um momento sozinho em oração.
Policarpo orou durante duas horas.
Alguns dos que ali estavam com a finalidade de prendê-lo pareciam arrependidos por prender um homem tão simpático.
No caminho de volta a Esmirna, o chefe da guarda tentou argumentar com Policarpo: “Que problema há em dizer ‘César é senhor’ e acender incenso?”.
Policarpo calmamente disse que não faria isso.
As autoridades romanas desenvolveram a idéia de que o espírito (ou o “gênio”) do imperador (César) era divino.
A maioria dos romanos, por causa de seu panteão, não tinha problema em prestar culto ao imperador, pois entendia a situação como questão de lealdade nacional.
Porém, os cristãos sabiam que isso era idolatria.
Pelo fato de os cristãos se recusarem a adorar o imperador ou os outros deuses de Roma e adorar Cristo de maneira silenciosa e secreta em seus lares, a maioria das pessoas achava que eles não tinham fé.
“Fora com os ateus!”, gritavam os habitantes de Esmirna, enquanto buscavam os cristãos para prendê-los.
Como sabiam apenas que os cristãos não participavam dos muitos festivais pagãos e não ofereciam os sacrifícios comuns, a multidão atacava o grupo considerado ímpio e sem pátria.
Então, Policarpo entrou em uma arena cheia de pessoas enfurecidas.
O pro cônsul romano parecia respeitar a idade do bispo.
Como Pilatos, queria evitar uma cena horrível, se fosse possível.
Se Policarpo apenas oferecesse um sacrifício, todos poderiam ir para casa.
-Respeito sua idade, velho homem — implorou o pro cônsul.
— Jure pela felicidade de César. Mude de idéia. Diga “Fora com os ateus!”.
O pro cônsul obviamente queria que Policarpo salvasse a vida ao separar-se daqueles “ateus”, os cristãos.
Ele, porém, simplesmente olhou para a multidão zombadora, levantou a mão na direção deles e disse:
— Fora com os ateus!
O pro cônsul tentou outra vez:
— Faça o juramento e eu o libertarei. Amaldiçoe Cristo!
O bispo se manteve firme.
— Por 86 anos servi a Cristo, e ele nunca me fez qualquer mal. Como poderia blasfemar contra meu Rei, que me salvou?
A tradição diz que Policarpo estudou com o apóstolo João.
Se isso foi realmente verdade, ele era, provavelmente, o último elo vivo com a igreja apostólica.
Cerca de quarenta anos antes, quando Policarpo começou seu ministério como bispo, Inácio, um dos pais da igreja, escreveu a ele uma carta especial.
Policarpo escreveu, de próprio punho, uma carta aos filipenses.
Embora não seja especialmente brilhante e original, essa carta fala sobre as verdades que ele aprendeu com seus mestres.
Policarpo não fazia exegese de textos do Antigo Testamento, como os estudiosos cristãos posteriores, mas citava os apóstolos e os outros líderes da igreja para exortar os filipenses.
Cerca de um ano antes do martírio, Policarpo foi a Roma para acertar algumas diferenças quanto à data da Páscoa com o bispo daquela cidade.
Uma história diz que, nessa cidade, ele debateu com o herege Marcão, a quem chamava “o primogênito de Satanás”.
Diz-se que diversos seguidores de Marcio se converteram com sua exposição dos ensinamentos apostólicos.
Este era o papel de Policarpo: ser uma testemunha fiel.
Líderes posteriores apresentariam saídas criativas diante de situações em constante mutação, mas a era de Policarpo requeria apenas fidelidade.
Ε ele foi fiel até a morte.
Na arena, a argumentação continuava entre o bispo e o pro cônsul.
Em certo momento, Policarpo admoestou seu inquisidor: “Se você […] finge que não sabe quem sou, ouça bem: sou um cristão.
Se você quer aprender sobre o cristianismo, separe um dia e me conceda uma audiência”.
O pro cônsul ameaçou jogá-lo às feras.
Policarpo disse: “Pois chame-as.
Se isto fosse uma mudança do mal para o bem, eu a consideraria, mas não posso admitir uma mudança do melhor para o pior”.
Ameaçado pelo fogo, Policarpo reagiu: “Seu fogo poderá queimar por uma hora, mas depois se extinguirá; mas o fogo do julgamento por vir é eterno”.
Por fim, anunciou-se que Policarpo não se retrataria.
O povo de Esmirna gritou: “Este é o mestre da Ásia, o pai dos cristãos, o destruidor de nossos deuses, que ensina o povo a não sacrificar e a não adorar!”.
O pro cônsul ordenou que o bispo fosse queimado.
Policarpo foi amarrado a uma estaca, e o fogo foi ateado.
Contudo, de acordo com testemunhas oculares, seu corpo não se consumia.
Conforme o relato dessas testemunhas, ele “estava lá no meio, não como carne em chamas, mas como um pão sendo assado ou como o ouro e a prata sendo refinados em uma fornalha.
Sentimos o suave aroma, semelhante ao de incenso, ou ao de outra especiaria preciosa”.
Quando um dos executores o perfurou com uma lança, o sangue que jorrou apagou o fogo.
Este relato foi repassado às congregações por todo o império.
A igreja valorizou esses relatos e começou a celebrar a vida e a morte de seus mártires, chegando a coletar seus ossos e outras relíquias.
Em 23 de fevereiro, todos os anos, comemoravam o “dia do nascimento” de Policarpo no Reino celestial.
Nos 150 anos seguintes, à medida que centenas de outros mártires caminharam fielmente para a morte, muitos foram fortalecidos pelos relatos do testemunho fiel do bispo de Esmirna.