sábado, 16 de abril de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo.

529 Bento de Núrsia estabelece sua ordem monástica

Depois que o cristianismo foi aceito no governo de Constantino, foi difícil distinguir entre os que seguiam a Cristo, pois essa era a atitude mais popular a ser adotada, e os que tinham fé verdadeira. 


O resultado foi que muitos cristãos zelosos buscaram se separar das massas, afastando-se delas.

Eremitas como Antão tornaram-se famosos por suas façanhas de autonegação. 

Viviam sem comida e sem dormir para buscar a santidade. 

Ficavam em pé por horas enquanto oravam e chegaram até mesmo a viver no topo de pilares. 

Os que haviam se cansado da igreja, que fazia muitas concessões e estava carregada de pecado, sentiram atração pelo comportamento bizarro que parecia provar a dedicação dos eremitas a Deus.

Por volta do ano 320, Pacômio deu origem ao monasticismo comunal. 

Ciente de que a tendência rumo à autonegação poderia sair do controle e até mesmo degenerar em uma disputa espiritual, Pacômio se esforçou para regulamentar o estilo de vida asceta, permitindo a vida simples de autonegação que tivesse limites. 

Outros, como Basilio, o Grande (330-379), e os cristãos irlandeses, também fundaram comunidades monásticas.

Porém, Bento de Núrsia se tornou a verdadeira força por trás do monasticismo europeu. 

Ele nasceu em uma família italiana de classe alta e, ainda jovem, foi estudar em Roma. 


Contudo, a cidade que tinha a reputação de ser uma das mais cristãs do mundo era considerada por ele imoral e frivola. Aborrecido com esse fato, Bento partiu e se tornou eremita.

Adquiriu grande reputação por sua espiritualidade, a ponto de famílias trazerem seus filhos para que fossem treinados por ele na vida cristã. 

Com bastante relutância, o eremita concordou em se tornar abade. 

Quando se mostrou austero disciplinador, porém, o entusiasmo que as pessoas tinham por Bento arrefeceu. Um monge chegou até mesmo a tentar envenená-lo. 

Temendo por sua vida, Bento se escondeu em uma caverna e, depois, deixou a região. Contudo, seus problemas ensinaram uma importante lição: a disciplina é boa, mas expõe a fragilidade da natureza humana.

Por volta do ano 529, Bento se mudou para o monte Cassino onde demoliu um templo pagão que ainda estava em uso, para construir um mosteiro no lugar.

Se Bento apenas tivesse dado um monastério para a igreja, provavelmente não seria tão lembrado. 

A regra que ele escreveu para governar aquele mosteiro foi, de longe, muito mais importante que o edifício. Bento concebeu o mosteiro como uma comunidade autocontrolada e autossustentada que tinha seus campos e oficinas. 

Ele queria criar uma “fortaleza espiritual” para assegurar que os monges não precisassem ir a qualquer outro lugar para satisfazer as necessidades da vida. 


Dentro do confinamento da comunidade, os monges teciam as próprias roupas, plantavam a própria comida e faziam sua própria mobília. 

Vagar fora do perímetro do mosteiro era considerado grande perigo espiritual.

Como Bento já vira antes, alguns dos pretensos monges tinham um comprometimento muito fraco. 

Assim, criou noviciado de um ano, um tempo no qual o monge poderia decidir se era realmente o que queria. 
Somente depois desse período de testes é que ele faria os três votos que o desligariam completamente do mundo. 

O voto de pobreza exigia que ele entregasse todos os seus bens pessoais à comunidade; o voto de castidade o levava a renunciar a todos os relacionamentos sexuais; o voto de obediência era promessa de obedecer sempre aos líderes do mosteiro.

A adoração desempenhava papel muito grande na vida monástica. 

A Região de São Bento prescrevia sete cultos por dia, incluindo-se um culto de vigília que acontecia às duas horas da manhã, considerado muito importante. 

Cada culto tinha cerca de vinte minutos e consistia praticamente da recitação de salmos.

Além da adoração pública, os monges tomavam parte em devoções pessoais: leitura da Bíblia, meditação e oração. 
Embora muitos acusassem as comunidades monásticas de se afastarem do mundo, os monges sempre oravam por quem estava fora de seus muros.

“O ócio é o inimigo da alma”, declarava a Regra. 

Assim, todos os monges tinham de tomar parte no trabalho manual, incluindo a preparação de alimentos.

Embora essa vida de trabalho, oração e adoração possa parecer tediosa, foi uma tentativa de criar uma vida ordeira sem ir a extremos.

Bento também tentou disponibilizar a vida santa aos seres humanos comuns. 

Em sua regra, escreveu: “Se parecemos muito severos, não se assuste e não saia correndo. 

A entrada para o caminho da salvação deve ser estreita. Contudo, conforme você progride na vida da fé, o coração se expande e anda mais rápido com a doçura do amor por todas as veredas dos mandamentos de Deus”.

Vivendo em uma era cruel e instável, o monasticismo beneditino forneceu refúgio aos que eram sensíveis à religião. Embora a Europa Ocidental tivesse se tornado nominalmente cristã, a maior parte da população ainda tinha comportamento pagão. Bento ofereceu uma vida calma, nobre e cheia de propósitos que não estava disponível fora do claustro. Muitas pessoas podem não simpatizar com esse afastamento, mas é certamente compreensível por que muitos buscavam a paz em meio a um mundo vulgar.

Bento deu ao monasticismo um lugar permanente na Europa ocidental — para o bem ou para o mal. Sua Regra orienta comunidades monásticas há vários séculos e ainda está em vigência atualmente.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo.

451 O Concilio de Calcedônia

Embora o Concilio de Nicéia tenha proclamado que Jesus era plenamente Deus, a igreja ainda precisava compreender sua natureza humana. 




De que maneira o humano e o divino se inter-relacionavam no Filho?

A resposta viria por meio de um dos mais exaltados jogos de poder da igreja.

Conforme a igreja crescia, as principais cidades do império recebiam influência teológica (e, por causa disso, seus arcebispos foram chamados patriarcas). 

Alexandria e Roma geralmente ficavam no mesmo lado das questões, opondo-se a Antioquia e Constantinopla. 

A combinação de política e teologia era algo especialmente poderoso.

A influência grega permeava os pensamentos da Escola Alexandrina. 

Muitas pessoas de Alexandria tinham um histórico filosófico de origem grega. 

Teológicamente, acreditavam que Jesus fora plenamente humano, mas eles tinham a tendência de enfatizar mais o Cristo como Palavra divina (Logos) que o Jesus humano. 

Quando essa questão era levada ao extremo, existia a tendência de obscurecer a humanidade de Jesus a favor de sua divindade. 

Apolinário, um dos principais defensores de Alexandria, lutara bravamente contra heresias como o arianismo e o maniqueísmo. 

Contudo, cometeu um deslize, equivocando ao afirmar que, na encarnação, o Logos divino substituíra a alma humana, de modo que a humanidade de Cristo fora apenas corpórea. 

Em 381, o Segundo Concilio Ecumênico condenou esse ensinamento.

A Escola de Antioquia apresentava a tendência de se concentrar na humanidade de Jesus. 

Embora Jesus fosse divino, eles diziam que sua humanidade fora completa e normal.

Ao envolver-se em uma disputa sobre a veneração de Maria, Nestó-rio, patriarca de Constantinopla, atacou a oposição de Apolinário. 

Para ele, a idéia de que Maria fora a “Portadora de Deus” era muito parecida com a idéia de Apolinário. 

Cirilo, patriarca de Alexandria, ansioso por abalar o poder de Constantinopla, acusou o patriarca de dizer que Jesus tinha duas naturezas distintas em seu corpo.

Em 431, no Terceiro Concilio Ecumênico em Éfeso, o maquinador Cirilo conseguiu que Nestório fosse deposto antes que ele e seus amigos pudessem chegar ao local das reuniões. 

Quando os clérigos ausentes chegaram, condenaram Cirilo e seus seguidores sob a liderança de João, o patriarca de Antioquia. 

O imperador Teodósio, que convocara o concilio, foi pressionado e terminou por exilar Nestório.

Adicione a essa situação volátil um clérigo que levava a ênfase alexandrina às últimas consequências. 

Eutíquio, chefe de um mosteiro próximo a Constantinopla, ensinava uma idéia que passou a ser chamada monofisismo (de mono, “um”, e physis, “natureza”). 

Esse ponto de vista sustentava que a natureza de Cristo estava perdida na divindade, “assim como uma gota d’água que cai no mar é absorvida por ele”.

O patriarca Flaviano de Constantinopla condenou Eutíquio por heresia, mas o patriarca Dióscoro, de Alexandria, o apoiou. 

A pedido de Dióscoro, Teodósio convocou outro concilio, que se reuniu em Éfeso, em 449. 

Esse concilio proclamou que Eutíquio não era herege, mas muitas igrejas consideraram esse concilio inválido. 

O papa Leão ι rotulou aquele encontro de “Sínodo de Ladrões” e, atualmente, ele não é considerado um concilio ecumênico válido.

Leão pediu ao imperador que convocasse outro concilio de modo que a igreja, como um todo, fosse representada. 

Esse concilio aconteceu na cidade de Calcedônia, próxima de Constantinopla, no ano de 451, atraindo cerca de quatrocentos bispos, frequência superior à de qualquer outro concilio já realizado até aqueles dias. 

Dióscoro sempre foi uma figura um tanto sinistra. 

Agora, nesse concilio, ele foi excomungado da igreja com resultado de suas ações no “Sínodo de Ladrões”.

Durante o Concilio de Calcedônia foi lida uma afirmação sobre a natureza de Cristo, chamada tomo [carta dogmática], de autoria do papa Leão i. 

Os bispos incorporaram seu ensinamento à declaração de fé que foi chamada de Definição de fé de Calcedônia, Nessa Definição de fé, Cristo “reconhecidamente tem duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação […] a propriedade característica de cada natureza é preservada e se reúne para formar uma pessoa”. 

Essa concepção condenava as ideias de Apolinário e Eustáquio, além das posições atribuídas a Nestório.

Calcedônia foi o primeiro concilio no qual o papa exerceu papel importante. 

Cada vez mais o foco da batalha seria entre Roma e Constantinopla. 

Calcedônia foi o último concilio que tanto o Ocidente quanto o Oriente consideraram oficial, com relação à definição dos ensinamentos corretos. 

Esse também foi o último em que todas as regiões foram representadas e conseguiram concordar em questões fundamentais.

Embora Calcedônia não tenha resolvido o problema de como Jesus era tanto Deus quanto homem, esse concilio estabeleceu limites ao definir como incorretas certas interpretações. 

O concilio, ao referir-se à posição adotada por Apolinário e Eustáquio, disse: “Qualquer que tenha sido a maneira como isso ocorreu, sabemos que não aconteceu dessa maneira”.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo.


432 Patrício é enviado como missionário à Irlanda

Um exescravo que nem mesmo nascera na Irlanda se tornaria a mais eficiente testemunha cristã naquele país. Patrício, filho de pais cristãos, nasceu na Bretanha romana por volta do ano 390. 




Embora nos primeiros anos esse menino não levasse fé tão a sério, começou a orar com fervor aos dezesseis anos, quando foi preso, escravizado e enviado para trabalhar como guardador de porcos em uma fazenda no norte da Irlanda. Para fugir de sua escravidão, Patrício viajou cerca de 320 quilômetros a pé rumo à costa. 

Ali, o capitão de um navio que transportava cachorros de caça concordou em levá-lo como tratador. 

Ele viajou para a França e, de lá, para um mosteiro no Mediterrâneo.

Quando voltou para sua terra natal, Patrício sonhou com as crianças irlandesas implorando para que ele levasse a elas o evangelho. 
“Imploramos que você venha e caminhe entre nós uma vez mais.” Como achava que não tinha a compreensão adequada da fé, Patrício voltou para a França a fim de estudar em um mosteiro. 

Por volta do ano 432, ele voltou à Irlanda.

Poucos anos antes, o monge britânico Paládio tentara converter os irlandeses, mas obtivera pouco sucesso. 

Os anos de escravidão de Patrício entre os irlandeses, aparentemente, o prepararam para ser um homem de coragem que compreendia aquele povo e sabia como pregar para eles.

A lenda obscurece muitos dados da vida de Patrício, mas a história de muitas vilas atesta seu ministério ali. 

Sabemos que o missionário converteu a maioria dos irlandeses ao cristianismo, estabelecendo cerca de 300 igrejas e batizando cerca de 120 mil pessoas. 

Embora Patrício enfrentasse problemas com alguns chefes de tribos hostis e com os druidas — os defensores do velho paganismo — “o povo comum o ouvia com alegria”. 

Não houve um mártir sequer no processo de conversão dos membros daquelas tribos contenciosas.

Usando a natureza, que já haviam adorado no passado, Patrício descreveu a Trindade comparando-a a um trevo. 

A compreensão dos irlandeses de que Patrício agia por Deus quando extirpou a falsa religião e estabeleceu a verdade entre o povo pode ser vista na lenda que diz que ele expulsou as cobras da Irlanda.

Depois de 30 anos de ministério altruísta, Patrício morreu por volta do ano 460. 

Ele nos deixou poucas coisas escritas, dentre as quais podemos destacar o notável hino I bind unto myself today [Hoje constrangido], conhecido como “Brasão de Patrício”.

Muitos anos depois, os missionários da igreja Ocidental chegaram à Irlanda e descobriram uma fé viva naquele lugar. 

Os sacerdotes e monges irlandeses eram estudiosos e missionários notáveis, e a igreja causara profundo efeito sobre as pessoas comuns. 

O clero vivia de maneira simples e devota, muitas vezes em circunstâncias difíceis. 

Embora seus mosteiros fossem despretensiosos, simples estruturas de pedra, o aprendizado e a arte (por exemplo, o extraordinário Livro de Kells) mostravam a piedade extremamente viva dos monges. 

O fato é que esse estilo de vida piedoso alcançou o restante da Europa à medida que levaram a Palavra para fora de seu país.

A igreja da Irlanda se desenvolveu à parte do sistema hierárquico de Roma, pois Patrício evangelizou a nação sem se basear na igreja oficial. 

A igreja irlandesa foi organizada ao redor de mosteiros, o que refletia o sistema tribal da nação. 

Sem o desejo de estabelecer uma burocracia eclesiástica, os abades irlandeses encorajaram seus monges a levar adiante o “verdadeiro negócio” da igreja: pregar, estudar e ministrar aos pobres.

A Irlanda só se tornou católica por volta do ano 1100, quando o papa deu a Henrique II, rei da Inglaterra, a soberania sobre a Irlanda. 

Em sinal de admiração pela maneira como Patrício trabalhara na conversão dos irlandeses, a Igreja Católica o canonizou.

sábado, 9 de abril de 2022

Acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo.

1054 O cisma entre Oriente e Ocidente


As igrejas do Oriente e do Ocidente separaram-se no transcorrer de vários anos. 

O que um dia fora uma única igreja, paulatinamente se dividiu em duas identidades distintas.


Diferenças quanto a detalhes insignificantes ampliaram o conflito. O Oriente usava o grego, ao passo que o Ocidente utilizava o latim, graças à Vulgata e aos teólogos ocidentais que escreveram nessa língua. 

As formas de culto eram diferentes: o pão usado na comunhão, assim como a data para a Quaresma e a maneira pela qual a missa deveria ser celebrada eram também distintas. 

No Oriente, o clero podia se casar e usava barba. 

Os sacerdotes ocidentais não podiam se casar e apresentavam o rosto completamente barbeado.

As teologías eram diferentes. O Oriente se sentia desconfortável com a doutrina ocidental do purgatório. 

O Ocidente usava a palavra latina filíoque “e do Filho” no Credo niceno, depois de que a cláusula sobre o Espírito Santo estabeleceu que o Espírito “procede do Pai”. 

Para o Oriente, essa adição era heresia.

Diferenças que já existiam havia séculos explodiram devido a dois homens de temperamento obstinado. 

Em 1043, Miguel Cerulário tornou-se patriarca de Constantinopla. 

Em 1049, Leão IX tornou-se papa. Leão queria que Miguel — e, por meio dele, a igreja oriental — se submetesse a Roma. 

O papa enviou representantes a Constantinopla, mas Miguel se recusou a encontrar-se com eles. 

Desse modo, os representantes excomungaram Miguel em nome do papa. 
O patriarca respondeu fazendo o mesmo com os representantes do papa, excomungando-os.

Por meio de declarações recíprocas de que o outro não era verdadeiro cristão, os dois bispos criaram um cisma. 

Entretanto, não foram só eles que provocaram essa separação. 

As partes conflitantes tinham uma história de diferenças, que jazia na base desse desentendimento. 

O cisma foi o ato final que reconheceu essas distinções.

Como dizia o Credo, os dois lados acreditavam “na igreja una, santa, católica e apostólica”. 

Em 1089, o papa Urbano tentou fechar a ferida revogando a excomunhão do patriarca. 

Ele também promoveu a primeira Cruzada como meio de reunificar o Oriente e Ocidente, mas isso não deu certo.

Os séculos posteriores assistiram a tentativas de reunir as igrejas, mas nenhuma delas foi bem-sucedida. 

A curta “reunião” de 1204 aumentou a hostilidade. 

Em 1453, quando os turcos muçulmanos tomaram Constantinopla, alguns cristãos orientais afirmaram que preferiam os muçulmanos aos católicos. 

O cristianismo unido parecia impossível.

Embora a diferença entre as duas igrejas possa parecer algo que não se relaciona totalmente com o que é essencial, no coração da disputa estava a questão do poder. 

Em uma época que via a autoridade dos bispos como chave para a estabilidade da igreja, não poderia haver duas pessoas reivindicando a mesma autoridade. 

Por não chegarem a um acordo, o Oriente e o Ocidente começaram a trilhar caminhos separados.